sexta-feira, 11 de novembro de 2016

DIA DE SÃO MARTINHO (GIORNO DI SAN MARTINO)

O santo dos peregrinos, andarilhos e viajantes.

Chegada à "Comune" de Montegaldella (Vicenza)

Montegaldella (VI), 15 de junho de 2007. Deixamos o hotel pelas 9h da manhã. Sol alto. Mormaço. Nada de vento, nem uma folha se mexendo. No pátio da “Comune di Montegaldella1”, consegui uma sombra de árvore para deixar o carro estacionado. Minha mãe, como de costume, preferiu ficar esperando no carro. O atendente, muito atencioso, quebrou o protocolo e permitiu que eu manuseasse o livro “Registro di Popolazione2”, ao qual prefiro chamar de “livro de família”. Minha opinião, esse livro é a fonte “filé mignon” dos pesquisadores que procuram raízes na Itália (não sei se outros países tem algo semelhante).
Comune di Montegaldella, Provincia di Vicenza, Regione Veneto
Comecei a folhá-lo e, rapidamente, encontrei o registro da família de Valentino Caldieraro: Via Camorra, casa n. 74, data de ingresso na “comune” em 11 de novembro de 1881, data da saída da “comune” em 11 de novembro de 1887... Em seguida, o registro da família de Giovanni Caldieraro: Via Cittadella, casa n. 167 e 168, data de ingresso na “comune” em 11 de novembro de 1881, data da saída da “comune” em 12 de dezembro de 1884 com destino ao Rio de Janeiro... Por fim, o da família de Matteo Caldieraro: Via Bufa al Ferro, casa n. 196, ingresso (de Matteo) na “comune” em 11 de novembro de 1882, data de ingresso (de Francesco Caldieraro, filho de Matteo) na “comune” em 11 de novembro de 1883...
Detalhe do “Livro de Família” de Montegaldella, 1ª página da família de Matteo Caldieraro
Detalhe do “Livro de Família” de Montegaldella, 2ª página da família de Matteo Caldieraro
Opa... Mas, que palhaçada é essa? Bateu a preguiça, e o cara do registro resolveu preencher tudo com a mesma data: 11 de novembro? Ou seria algum código, ou sei lá o quê? Voltei à sala onde ficava o atendente (Sr. Bruno, se não me engano) e perguntei a ele o que era aquilo; a “síndrome do 11/11”?? Ele deu uma boa gargalhada e disse: “Mais um brasileiro que não conhece São Martinho!”.
Foi então que me contou a história, ou melhor, a Lenda do “Verão de São Martinho”, à qual reproduzo abaixo. Encontrei num site italiano3, e tentei (com ajuda do Google Tradutor) traduzir para o português.
São Martinho (San Martin) nasceu em Tours, França, por volta de 316-317 d. C., e foi um dos primeiros santos não-mártir da Igreja Católica. Legionário romano na região da Gália, foi lá que viveu a experiência que mudou sua vida para sempre.
Diz a lenda que Martinho, numa noite fria de novembro, enquanto inspecionava os postos de guarda, encontrou um mendigo vestindo apenas alguns trapos. Então, o nobre Martino sentiu pena do pobre rapaz e ofereceu-lhe metade da sua quente capa militar, cortando-a com sua espada. Naquela noite, Martinho sonhou que Jesus, vestindo sua capa, dizia aos “soldados-anjos” que Martin o havia protegido com sua capa. Ao amanhecer, ainda impressionado com o sonho, Martinho encontrou sua capa... intacta, inteira.
Martinho, após a experiência mística, converteu-se ao cristianismo, foi batizado e, depois de vinte anos de carreira militar, tornou-se bispo de Tours, onde continuou humildemente, até sua morte, seu trabalho pastoral. Sua capa milagrosa tornou-se uma relíquia, e foi preservada pelos reis merovíngios.
A lenda de São Martinho tem inspirado a muitos, a identificarem como o “verão de São Martinho”, a ocorrência (repetida ao longo dos anos) de tempo bom, nos dez primeiros dias de novembro. Segundo a lenda, é a vontade de Deus para lembrar o nobre gesto do santo.
Ok, seu Bruno... Mas, e o que isso tudo tem a ver com os repetidos registros de chegadas e partidas em 11 de novembro? Então ele me explicou que, por ser uma época de tempo bom, após o final das colheitas e de seus processamentos, se convencionou tacitamente, ao longo dos séculos XVIII e XIX, naquela região (somente lá?), que 11 de novembro (data que se celebra a morte de São Martinho) seria um dia para “mudanças”. Mudanças de moradia, de patrão, de oportunidades. Nesse dia, as pessoas estavam “livres” para ir embora, para sair de seu emprego, para demitir, para contratar, para voltar, para tentar nova oportunidade, novo emprego, nova vida... O dono da terra podia “demitir”, o empregado podia “largar fora” sem dar qualquer explicação... Dia de viajar, de peregrinar, de andar...
Interessante, não? Pois eu achei... Até a próxima!
E que São Martinho nos proteja em nossas andanças...
Notas:
1.Na Itália, dá-se o nome de “Comune” ao prédio público onde se reúne diversos órgãos da administração municipal, tais como registros civis, secretarias, bibliotecas, etc.
2.Nesse livro, instituído por Decreto Real em 31 de dezembro de 1864, se registram, a cada duas folhas, diversas informações sobre as famílias (ou núcleos familiares) residentes em cada casa da “comune” (município): sobrenome, nome (ambos conforme registro/batizado), filiação, sexo, parentesco (com o/a “cabeça de família), profissão, local de nascimento, data de nascimento, estado civil, data de chegada (à “comune”), procedência, data de saída, destino...
3. http://balbruno.altervista.org/index-1622.html
Observação: Todas as imagens pertencem ao arquivo pessoal do autor.

3 comentários:

  1. Adorei Ricardo!Fico imaginando quantas histórias devem existir ao longo de todos esses anos! Vou adorar ler cada uma! Vou ver se consigo algo interessante da nossa para publicar! Muito obrigada!

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    1. O que não faltam são histórias engraçadas produzidas por gringos. Agora mesmo, lembrei de um tal delegado que apreendeu a dentadura do sujeito que mordeu o outro, como "arma do crime"... Escreva essa! rsrsrs

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